Havia uma mulher nua na
esquina. Vi de relance. Vi quase
não vendo nada. A mulher nua estava em uma esquina; eu, na outra.
Nossas trajetórias se encontraram na mesma rua, uma linha reta, mas
com o pouco que vi, apenas percebi que ela estava nua. Duas
ruas transversais nos separavam. Eu seguia um caminho, ela o cruzava
em disparada. Tivesse eu passado trinta segundos antes, ou tivesse
ela se atrasado meio minuto, estaríamos de frente um para o outro.
Uma rota de colisão. Estivéssemos tão próximos, poderia lhe
perguntar o porquê de estar nua. Por que estava nua na rua, mulher?
O fato não teve outra
testemunha. Toda a nudez foi apenas para os meus olhos. Foi tão
rápido, uma correria, e meus olhos não enxergam muito bem à
distância. Não sei se era bonita. A pele era branca, mas não era
leitosa. Talvez gostasse de praia. A mulher nua talvez passasse horas
no sol defronte ao mar. A morenice que os genes não lhe deram,
haveria o sol de tratar. A mulher estava nua, mas não percebi marcas
de biquíni. Deveriam estar lá, mas não vi. Que tipo de biquíni
ela usaria? Algum bem pequeno. Só poderia ser um bem diminuto,
daqueles que deixam só uma marquinha. Essa mulher nua não devia
usar vestes que a cobrissem em demasia.
Quando cheguei à esquina em
que a vi correndo, não havia outra alma por perto. Aonde vai uma
mulher nua? Mais próximo de onde ocorreu a visão, ela se
distanciara. Seu cabelo era comprido, moreno, talvez em um tom de
chocolate. De onde eu estava, não reparei muito no cabelo. Talvez
fosse liso. Poderia ser ondulado também. Balançava, mesmo que não
tivesse vento. O cabelo moreno, talvez chocolate, sacudia a cada
passada. Os pés estavam descalços. Doloridos, certamente. Que
pezinhos delicados teria a mulher nua. De onde partia e aonde iria?
Na transversal que cruzava o
meu caminho, tencionei tomar o rumo da minha visão. De que tipo de
ajuda precisaria uma mulher nua? Vi-me sozinho na rua. Teria
desaparecido? Ela corria, eu andava. Vi tão pouco. Estávamos cada
vez mais distantes. De onde eu estava, vi que seus seios balançavam.
Subiram, depois desceram. Ou talvez estivessem descendo, e quando vi,
tornassem a subir. Não tenho certeza. Foi tão rápido que vi a
mulher nua. O seu corpo estava de lado diante da minha vista. Os
seios pareciam médios, certamente maiores que minhas mãos. Pareciam
ter o formato de cocos, mas se mexiam como limões. Também se
assemelhavam a papaias, ainda que pudessem ser como peras. Estava
longínqua essa mulher nua.
Sumiu de minhas vistas.
Segui meu caminho. Não vi o seu rosto, não a reconheceria na rua.
Se passasse vestida por mim, não poderia dizer que a vi nua. Tanta
intimidade exposta apenas para mim. Quanta fugacidade. Uma esquina
adiante, percebi que não notara os seus olhos. Talvez morenos como o
cabelo. Um tom de chocolate. Doçura, deveria haver doçura no olhar
de uma mulher nua. Ou verdes. Olhos claros combinariam com a pele
branca amorenada pelo sol. Uma nuança esverdeada para combinar com o
mar que a banharia após um dia inteiro na praia. Seria ótimo passar
um final de semana no litoral com a mulher nua. Não abriria mão de
meu calção de banho e protetor solar, mas ela poderia ficar à
vontade. Preferencialmente, nua.
Faltando uma esquina para
chegar ao meu destino, lembrei do balançar que a corrida dava à
bunda da mulher nua. Ao meu compromisso, eu chegaria na hora certa,
pontual como sempre. Tivesse me adiantado, teria visto muito mais.
Pela movimentação da mulher nua, parecia ter uma bunda alta, mas
seus músculos estavam tensos. Relaxados, poderiam ter o formato de
moranga. Não dava para ter certeza. Tão rápido foi que vi a mulher
nua. No conjunto, parecia bonita. Era ousada, isso sim. Nunca tinha
visto outra mulher nua na rua.
Cheguei ao endereço do meu
cliente. Tomei o elevador sozinho. Olhei para os lados, nenhuma
mulher nua estava escondida por lá. Mostrei-lhe todo o catálogo de
purificadores de ar. Optou pelo modelo mais barato. Não parecia o
tipo de cliente com o qual faria o melhor negócio. Tem lá a sua
importância, então deve-se manter bons contatos. Vendedor que não
interage bem está nu no mercado. Ele ainda me perguntou quais eram
as novidades. Vendendo bem. A poluição está acabando com o sistema
respiratório das pessoas. Os purificadores de ar estão salvando
vidas. Todos precisam ter um. Até a mulher nua que vi correndo agora
pela manhã. O cliente ficou muito interessado no assunto. Que beleza
de visão. Passou tão perto de mim, que quase esbarramos. A mulher
corria nua pela rua. Tinha cabelos cor de chocolate, ondulados como
uma paisagem litorânea. Os olhos verdes pareciam o mar do Caribe. O
narizinho era pequeno e empinado. Que linda era a mulher nua. A boca
era bastante avermelhada, cheia de sangue. Quanta vitalidade tinha a
mulher nua que corria pela rua. A pele era branca, dava para ver
pelas marquinhas pequeninas de biquíni, um contraste perfeito com o
tom moreno adquirido por longos banhos de sol. Os seios pareciam dois
vulcões e pulavam acompanhando o movimento dos braços e das pernas
em passadas rápidas. Depois que ela atravessou o meu caminho, fiquei
olhando para a bunda empinada, que orgulhosa passava. Não pude fazer
nada. Fiquei atônito com tanta beleza. Queria ajudar, mas a mulher
nua me desconcertou com um olhar e um sorriso. Paralisei naquele
instante. Sim, tive sorte de estar tão perto, a única testemunha de
uma Vênus com pernadas de Hermes. No final, o cliente gostou tanto
da nossa conversa, que trocou o seu pedido e encomendou o modelo mais
caro. O melhor para alguém de tanto bom gosto. Cuidar do ar é
pensar na própria saúde.
Depois de uma venda tão
boa, poderia almoçar em casa. A mulher nua que corria pela rua havia
se transformado em uma bela fonte de lucro nesta manhã. A essa hora,
as calçadas já estavam cheias de pessoas vestidas andando para
norte, sul, cortando pelas transversais e passando despercebidas pelo
cenário cotidiano. O que teria acontecido com a mulher nua? Já
estaria vestida ou teria voltado para lugar nenhum de onde parecia
ter surgido? Não tenho certeza se era bonita, mas em minha memória
já se desenhava uma musa. Agora eram duas mulheres nuas: uma que
corria pela rua e a outra que passeava em meus pensamentos.
Quando cheguei em casa,
encontrei o almoço pronto. Adoro comer o feijão feito pela minha
mulher. O seu beijo tinha o gosto do prato que ela recém preparara e
provara. A minha mulher estava vestida com seus chinelos, bermuda
jeans, camiseta larga e uma touca a cobrir-lhe os cabelos. Ela ficou
muito feliz quando lhe contei da venda realizada nesta manhã.
Começou a fazer planos com o dinheiro da comissão. A prioridade era
pagar a conta de luz que estava atrasada. Delicioso o feijão da
minha mulher. Não existia mulher neste mundo que me fizesse
abandonar este casamento. Ela me perguntou o que mais tinha
acontecido nessa manhã. Essa é difícil de acreditar, mas vi uma
mulher nua que corria na rua. Foi logo cedo pela manhã. Eu estava
sozinho na rua, nenhuma viva alma passando por lá, quando, de
repente, distante, acho que umas duas quadras adiante, vejo uma
mulher nua correndo pela rua. Não vi direito, ela passou muito
rápido e eu estava desatento. Era feia, foi o que consegui notar.
Você é muito mais bonita. Não há comparação nesse sentido. É
uma nota dez contra uma nota zero. Que tipo de mulher corre nua pela
rua. Sim, talvez fosse uma prostituta. É provável que sim. Contudo,
não consigo imaginar quem pagaria por um programa com ela. Os seios
pareciam duas taças de sopa, caídos, quase arrastavam no chão. A
bunda tinha mais furos do que a Lua tem de crateras. Não sei por que
essa mulher corria nua pela rua, mas deveria poupar os inocentes
desse tipo de cena. Sim, depois do almoço vou visitar outro cliente.
Quero fechar duas boas vendas neste dia. Sim, eu vou tomar cuidado.
Só tem gente maluca neste mundo.
(Conto revisado e republicado em 01/04/2014)
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